domingo, 2 de agosto de 2009

Texto já escrito

A nova universidade

* Suziley dos Santos da Silva


A Constituição Federal traz como uma das garantias fundamentais: a “inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença...” (art. 5, VI). Vivemos num Estado Democrático de Direito. E a sua razão de ser parece óbvia. O Estado Moderno caracteriza-se pela laicização dos seus componentes sem atrelamento a qualquer confissão religiosa. E é bem nesse universo pluralista e não-sacro que se situa a Universidade Católica. Ocorre então ao leitor a seguinte indagação: será que a Universidade Católica está sendo coerente com suas características essenciais e com o novo papel que deve desempenhar dentro desse contexto laical e pluralista da atualidade?

1. Ocorre, preliminarmente, recordar que uma Universidade para identificar-se como católica, deve ostentar alguns traços peculiares. São aquelas características explicitadas por João Paulo II no documento “Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas”. Ali, o Pontífice destaca os elementos que constituem a autêntica Universidade Católica. Tal documento já foi objeto de análise por parte de especialista na área cujos artigos foram publicados neste matutino. Todavia, nada ocioso e até necessário, vez por outra, reler o referido documento, já que o mesmo nada perdeu de sua atualidade.

2. Eis então que o Papa tem a palavra: “Uma vez que o objetivo de uma Universidade Católica é garantir, em forma institucional, uma presença cristã no mundo universitário, perante os grandes problemas da sociedade e da cultura, ela deve possuir, enquanto católica, as seguintes características essenciais:

a) uma inspiração cristã não só dos indivíduos, mas também da instituição universitária enquanto tal;
b) uma reflexão incessante, à luz da fé católica, sobre o tesouro crescente do conhecimento humano, ao qual procura dar seu contributo mediante as próprias investigações;
c)a fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja;
d) o empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana no seu itinerário rumo àquele objetivo transcendente que dá significado à vida”.

3.A fim de evitar interpretações herméticas e até mesmo apriorísticas, nada mais saudável do que delinear o alcance das expressões, aí, estampadas. A primeira característica revela o elemento “inspiração cristã”. Tal nota essencial está a dizer do próprio espírito da instituição. Aquilo que dá tonalidade geral ao conjunto. Dir-se-ia, a mentalidade ou fisionomia. Porém, não se deve confundir mentalidade com pieguices devocionais. A Universidade não é católica porque tem missas semanais ou porque ali há espaço para alguma pastoral ou ainda porque, em seu currículo, figura certa disciplina teológica. Atente-se bem para o sentido da “inspiração cristã”. “Inspiração critã” está a dizer dos traços que revelam todo um estilo de ser e de agir. Por isso, de acordo com ela, a Universidade pode ser espiritualista ou materialista; confessional ou aconfessional; agnóstica ou voltada para os valores transcendentes; atéia ou teísta; fechada ou ecumênica; alheia ao social ou engajada; fábrica de diplomas ou agenciadora de personalidades comprometidas com um tipo humanístico ou ético da civilização.

4. Quanto à segunda característica, a Universidade pode limitar-se à produção de conhecimentos atualizados como também pode ir além e confrontar as conquistas do saber profano com as informações sólidas de timbre religioso. A Universidade sendo Católica, cuida da sintonia do saber humano com os critérios da sabedoria acrisolada pelo magistério da Igreja. Quantas perspectivas não se abririam se os acadêmicos das áreas jurídica, administrativa e contábil conhecessem melhor os ensinamentos das Encíclicas Sociais!

5. A terceira característica mexe com o topete da presunção. O homem sonha ser rei e deus, diz o profeta Ezequiel. Também as corporações religiosas sofrem igual tentação. E, aqui, o Papa dá a resposta e o remédio para curar a embriaguez do poder: “a fidelidade à mensagem cristã...”. Eis, aí, a espiritualidade que deve marcar a Universidade Católica antes de qualquer espiritualidade corporativista. Afinal de contas, Universidade reflete a dimensão de “catolicidade”, ou seja, “Universalidade”.

6. Por fim, a quarta característica. Ela enfatiza o serviço ao povo. A principiar pelos mais próximos, os funcionários, professores e acadêmicos. Se a Universidade Católica fosse empresa à guisa de outras similares, então o serviço prestado teria o retorno aferido pelo lucro. Bem a propósito, escreve Michel Falise: “A tradição cultural da Universidade é a de um prestador de serviços de interesse geral e não de uma empresa que procura a melhor remuneração do capital”. Se isto vale para toda e qualquer Universidade, por foçar maior, aplica-se à Católica. Pois ela é evangélica. Por isso ela tem as leis trabalhistas apenas como instrumento subsidiário de organização. Antes de se agarrar à justiça positiva dos homens, ela lê pelo Evangelho. Eis então o magnífico exemplo que a Universidade Católica poderia oferecer ao mundo da cultura. Ela está para servir e não para servir-se de ninguém.

7. Conclusão. A julgar pelo modelo de Universidade Católica à vista de todos, parece que os seus fins institucionais realizam-se, mecanicamente, qual decorrência de algumas práticas religiosas inseridas no contexto curricular. No entanto, não é visível nenhuma preocupação evangelizadora no sentido de distinguir pela doutrina clara e pelo exemplo a Universidade Católica de outras instituições similares que não se inspiram nos Evangelhos. E seja um exemplo fragoroso. Ninguém saberia diferenciar o “espírito financeiro” de uma Universidade Católica do “espírito neoliberal” do mundo profano. No fundo todos lêem pela cartilha do materialismo econômico, comercializando o ensino. Coitado do Cristo!

Advogada trabalhista e aluna do curso de Filosofia.

Artigo escrito ao 24 de maio de 2000 em Campo Grande/MS.


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