Fé ou razão?
* Suziley dos Santos da Silva
Quase na virada do milênio, ainda há quem faz ecoar, em sala de aula, os preconceitos do neopositivismo vienense, na tentativa de passar para os acadêmicos as idéias de conflito entre a crença religiosa e a racionalidade. A fria receptividade por parte do auditório nem de longe toca a insensibilidade de tais locutores. Nem por isso deixa de causar perplexidade esse apelo à ruptura com a herança cultural que ainda compõe, de modo harmônico, a fé com as demais decorrências da razão. De uma fonte ou de outra, no entanto, fato é que dúvidas aparecem a respeito. De repente, o céu fica obscuro e a mente, até então tranquila, agita-se em questionamento angustiante.
* Suziley dos Santos da Silva
Quase na virada do milênio, ainda há quem faz ecoar, em sala de aula, os preconceitos do neopositivismo vienense, na tentativa de passar para os acadêmicos as idéias de conflito entre a crença religiosa e a racionalidade. A fria receptividade por parte do auditório nem de longe toca a insensibilidade de tais locutores. Nem por isso deixa de causar perplexidade esse apelo à ruptura com a herança cultural que ainda compõe, de modo harmônico, a fé com as demais decorrências da razão. De uma fonte ou de outra, no entanto, fato é que dúvidas aparecem a respeito. De repente, o céu fica obscuro e a mente, até então tranquila, agita-se em questionamento angustiante.
1. Eis porque, em boa hora, o professor de filosofia da Uniderp informou seu alunos sobre a existência de um documento oficial da Igreja Católica intitulado a “Fé e Razão” (“Fides et Ratio”). É a última Carta Encíclica endereçada pelo Papa João Paulo II ao mundo pensante. Ali o pontífice aborda, no exercício do seu magistério universal, o tema delicadíssimo da relação entre credo religioso e racionalidade. Oferece sua contribuição para solucionar o problema da possível incompatibilidade entre conhecimento racional e fé.
2. O documento, aliás, de fácil leitura e entendimento, aborda, em cheio, um tema de máximo interesse na área educacional. E o Papa está bem categorizado. Além de ter cursado Filosofia na Universidade “Angelicum” de Roma e defendido tese de doutoramento na mesma, João Paulo II tem a assessoria de consultores de elevado gabarito, todos eles eminentes cultores da Filosofia em numerosas faculdades européias. Trata-se, portanto, de um documento sólido e respeitável a qualquer título.
3. Há um ano atrás, o Vaticano deslumbrou o mundo da cultura com a Encíclica “O Esplendor da Verdade”. O texto fala da paixão natural do ser humano pela verdade. Qualifica-o qual perquiridor indomável da verdade em todas as suas dimensões. E já aponta a Filosofia como o caminho para o encontro entre a razão humana e sua plenitude operacional de conviver com a verdade e na verdade. Curioso observar que o eminente filósofo do Direito no Brasil, Miguel Reale, parece ter antecipado à Encíclica do Papa, ao escrever: “A filosofia reflete no mais alto grau essa paixão da verdade, o amor pela verdade que se quer conhecido sempre com maior perfeição, tendo-se em mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe” (in “Filosofia do Direito”, 17ª edição, Editora Saraiva, 1996, pág. 05).
4. Agora, o Papa revela um percalço que atrapalha a caminhada da mente humana na busca constante da verdade. Pois há quem diga haver incompatibilidade entre a verdade religiosa e a razão. A fim de ajudar na superação de tal dúvida, o texto da nova Encíclica apresenta argumentos valiosos. Eis a sua prestância.
5. A título de mera exemplificação, cabe citar um dos lances marcantes da nova Encíclica. É o momento em que a filosofia é caracterizada como “ciência do universal”. Aliás, uma definição prestigiada por Miguel Reale. E como universal a filosofia não tem barreiras para a investigação. Também a religião entra no seu âmbito de questionamento. Justamente por se ter reduzido a filosofia a funções marginais como a tal de filosofia da linguagem, é que a filosofia perdeu credibilidade. Preteriu o estudo profundo dos pressupostos e esqueceu de questionar até mesmo a fé. Resultado? A religião virou “área de sentimentalismo e de folclore”.
6. Mas não seria “perigoso” filosofar sobre a fé? Não. A fé, dado ser ela autêntica revelação da sabedoria divina, não teme a filosofia. Deus não tem medo da inteligência humana. Aliás, foi ele que fez o homem inteligente a fim de encontrá-lo no esplendor da verdade.
De outro lado, o sistema religioso que não resiste ao questionamento filosófico, padece de qualquer deficiência veritativa. E por isso carece de credibilidade.
Bem a propósito, décadas atrás, o imortal Jacques Maritain escrevia: “A razão e a fé, embora distintas, não estão separadas” (in “Introdução Geral à Filosofia”, 16ª edição, Ed. Agir, 1989, pág. 15).
Por sua vez, o Papa declara: “A fé não contraria a razão. Ambas estão numa relação de interdependência mútua”.
Conclusão. Quando Agostinho de Hipona tateava na brumas das incertezas existenciais, apareceu um anjo que lhe disse: “Tolle et lege” (apontando para o livro da Bíblia). Agostinho pegou, leu e transmudou-se no gênio do cristianismo. Hoje, diria ao leitor emaranhado no miasma de dúvidas dilacerantes: “Tolle et lege”. Pega a Encíclica. Leia e, por certo, terás outro entendimento a respeito da Filosofia e do teu sistema religioso.
Advogada trabalhista e aluna do curso de Magistratura.
Artigo escrito aos 12 de março de 1999 em Campo Grande/MS.
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