terça-feira, 17 de agosto de 2010

Jacinto ou Vulcano?...



Que rei sou eu?! Vivo sujo e maltrapilho. Vivo só. Enclausurado nos meus sentimentos. Guardo apenas as lembranças do que fui e do que nunca mais serei. Meu reino é a rua. Nela adormeço para depois novamente despertar. O frio não me incomoda. Pois ele não é nada comparado a dor que trago dentro do peito. A dor era tanta que, agora, nem mais a percebo. Anestesiado pela rotina, já nem me importo. Vivo da caridade alheia. “Olá, bom dia, senhor Almir”, ouço a me dizerem. Será mesmo que me chamo Almir?! Já nem sei. Talvez, eu seja como o Vulcano e/ou Hefesto das mitologias greco-romana. Vulcano (Hefesto) era filho de Júpiter com Juno. Por ser muito feio foi lançado ao mar pela própria mãe para que ficasse escondido de todos nos abismos profundos. Todavia, as filhas do Oceano, Tétis e Eurínome, o acolheram e o protegeram. E assim Vulcano viveu escondido e trabalhando com todo tipo de matéria fundível. Ferro, ouro, prata, metais. Era coxo. Porém, laborioso e engenhoso.Trabalhava com o fogo. Desposou a bela e infiel Vênus (Afrodite). Maltrapilho, talvez, não encontre assim nenhuma beleza. Jogado, sim, na vida estou. Mas trabalho nenhum realizo. Só fundo as dores nas conversas com os transeuntes. Quem sabe eu sou como a flor de jacinto. Jacinto, um jovem mortal muito amado pelas divindades. Sobretudo, por Apolo que o seguia por onde quer que fosse. Um dia, os dois brincavam com um disco. Quando, então, enciumado da amizade e da preferência de Jacinto por Apolo, Zéfiro (o vento do oeste) muda a direção do disco lançado e este atinge a cabeça de Jacinto, que cai morto no chão. E, no lugar onde o sangue manchou a terra, nasce, então, a flor do jacinto. Dois personagens. Um desprezado, rejeitado. O outro amado. Quem sabe sou os dois extremos. Tudo e nada. E seja este o meu reino. De guerra e de paz. Prego para as árvores e bancos da praça. Sou silêncio e conversas aceleradas. Hoje, é dia de outro pregador. São Jacinto, o “Apóstolo da Polônia”. Pregou o amor. Semeou a fé. Talvez, o que no fundo da minha alma me sustente, num mundo carente de sentido, seja o acreditar que nem tudo ainda está perdido. Encontro pessoas que vem, que passam e que me abraçam com solidariedade, com compaixão. Mas, digo, assim: “Da rua eu não saio. Daqui não”. Não posso. Aqui é o meu reino. Aqui, sou real. A sua Majestade Almir da Praça Israel. Entrem e sejam bem-vindos!

* Aqui, perto de casa há uma praça, sempre encontramos um senhor. Que se diz chamar Almir. Ele passa, ali, a maior parte do seu tempo. Mas sempre vai para o abrigo municipal também. É um senhor muito comunicativo. Mas para nós é um mistério que ele da rua não queira sair. Só aceita ajuda com alimentos. Enfim, hoje quis escrever para ele o texto acima. A foto abaixo não é dele mas, sim, da internet.








Um bom dia a todos! : )

20 comentários:

  1. Quantos Reis temos perdidos assim pelas nossas ruas....pessoas cheias de talento e sonhos incubados que peço a Deus um dia sejam realizados!
    Bjus e uma linda semana pra vc
    paula

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  2. Olá!
    O nosso Blog está apresentando um grande amigo e Poeta Português.
    Gostaríamos de contar com a sua presença nessa postagem, pois estaremos sorteando um livro, entre aqueles que participarem.
    Estamos esperando você!
    Receba o nosso abraço carinhoso

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  3. ...traigo
    sangre
    de
    la
    tarde
    herida
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    TE SIGO TU BLOG




    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...


    AFECTUOSAMENTE
    SUZILEY

    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.

    José
    Ramón...

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  4. Oi Suzi! Que prosa mais encantadora essa que você escreveu, minha querida! Pensou em ofertá-la ao "muso" inspirador? Grandioso em seu porte, mas frágil em sua decisão - a rua não é lugar para ninguém. É rito de passagem, é estrada para ser cruzada. Não deve ser interrompida. Fica, assim, esperando que alguém chegue, mas nunca pronto para ir embora. Meus pensamentos estarão a fazer companhia para o Sr. Almir nessa tarde fria de inverno! Um beijo, Deia.

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  5. ...sempre estamos onde desejamos
    estar.

    o pensamento é o veículo.

    bj, querida!

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  6. Suzi, que fantástico!

    Menina adorei a história e as idéias com relação aos deuses da mitologia. Adoro mitologia, mas, adoro mais ainda esse paralelo!
    Sr Almir deve ser um Rei, nós que ñ entendemos seu palácio!
    bjs

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  7. Olá Suziley!
    Venho aqui agradecer a visita, o comentário e desejar boa sorte no sorteio do meu livro. Beijo luso

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  8. Obrigada, Manu! Estou acompanhando o seu lindo blog e vou esperar pelo sorteio do seu livro. Seja bem-vindo!! Um grande abraço ;)

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  9. Oi, Márcia Albuq:
    É verdade, nós é que não entendemos mesmo a profunidade de um ser humano. Sr. Almir é uma figura. Que bom que gostou do texto e das ligações com a mitologia. Também gosto. Um grande beijo no seu coração :)

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  10. Oi, Vivian:
    Sim, o pensamento é veículo de muitas idéias. Com ele viajamos e estamos onde quisermos. E os sentimentos carregamos para onde estivermos também. Obrigada pela visita. Beijos no seu coração ;)

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  11. Oi, Deia:
    Pensei em imprimí-la e levá-la para o sr. Almir. Mas, vou melhor ponderar. Pois sei que ele esteve em tratamento lá no abrigo, segundo ele mesmo nos informou. Então, não quero causar nenhuma forte emoção que o faça sofrer. Nós, aqui, em casa, estávamos pensando em procurar a psicóloga/psiquiatra que o tratou para conhecere a sua história e saber o que podemos, de fato, fazer para ajudá-lo. Ele é conhecido de muitas pessoas, aqui, do bairro. Sempre recebe café, almoço e janta. Curativo do seu pé que está ferido também. Um vizinho que mora em frente da praça o faz. Para dormir, à noite, ele dorme num quarto de um posto de gasolina, aqui, próximo. Ou sempre que quer ele vai dormir no abrigo. Sempre o vemos quando passamos pela praça. E hoje senti vontade de escrever um pouquinho sobre ele. É assim que o percebo. Obrigada por seu carinho. Nós, aqui, vamos tentar saber mais sobre ele e o que pode ser feito. Ele está agasalhado. E, ontem e hoje, faz frio mas não tanto quanto nos dias anteriores. Um grande beijo no seu coração Deia!! :)

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  12. Oi, José Ramón, seja "bienvienido"!! Sim, faça como quiser. Postagem em poesia. Fique à vontade. Fico feliz que tenha gostado deste espaço. Estamos, aqui, para compartilhar. Obrigada. Um grande abraço ;)

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  13. Oi, pessoal do Espaço Aberto:
    Já passei por lá, já comentei e já passei pelo blog do poeta português Manu. Muito bom mesmo. Obrigada. Um grande abraço ;)

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  14. Ok, Rei Carlos I...hehe!! Mas, tem razão. Tenha uma boa noite. Um grande abraço ;)

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  15. Obrigada Paula pela visita. De fato, temos muitos reis, muitos talentos pelas nossas ruas. Um grande beijo no seu coração ;)

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  16. Amiga!!! que belíssima leitura que vc ofereceu a todos hoje...é triste ver a realidade dessas pessoas que vivem na rua e que abandonam de certa forma seus sonhos...

    Grande beijo e obrigada pelo carinhod e sempre!

    Vivian

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  17. Oi, Vivian querida, obrigada pela visita e pela partilha. Um grande beijo no seu coração ;)

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  18. Quanta força resiste n'alma de Seu Almir...a mesma que desperta a sensibilidade de teu olhar, Suziley.
    Belíssimo post. A verdade de outras vidas!
    Dias quentes p/ todos aí.
    Bjkas,
    Calu

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  19. É verdade, Calu. Há algo especial no senhor Almir. Um vida que merece ser cuidada. Obrigada pela visita. Estou esperando que chegue logo a primavera por aqui. Hoje já fez um pouco de calor. Beijos prá você ;)

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