quinta-feira, 18 de março de 2010

A revolução dos bichos...

Para reflexão, posto, aqui, artigo publicado aos 11/12/2000 no Jornal Correio do Estado em Campo Grande, MS:


Data de 1945 a publicação de “Animal Farm”. “A Revolução dos Bichos” é por muitos considerado o maior libelo já escrito contra a dominação exercida em nome da liberdade. É uma crítica contundente ao despotismo.

Antes de seguir o conselho do então professor de Teoria Geral do Estado, Drº Paulo Thadeu Gomes da Silva, que recomendava esta leitura, vem à tona o seguinte questionamento: teria o conteúdo daquela fábula aplicabilidade ao mundo contemporâneo e pós-moderno? Eis a questão, diria Shakespeare.

1. “A Revolução dos Bichos” é o título da obra literária mais vendida mundialmente. O pequeno livro anda já pela 60ª edição. Um “best seller” de verdade. A princípio, tal título sugere um público infanto-juvenil. Aliás, esta é a sua classificação técnica. Todavia, assim como Esopo, na Grécia antiga, e La Fontaine, na França, o escritor Eric Arthur Blair, com pseudônimo de George Orwell, utiliza-se da fábula para retratar o comportamento humano. Orwell parece ter feito de tudo um pouco. Nascido em Bengala, na Índia, filho de pais ingleses, serviu na Birmânia; lutou na Guerra Civil Espanhola; foi soldado, mendigo, livreiro, lavador de pratos, professor e jornalista. Além do que, Eric foi discípulo de Marx. Primeiramente, da ala radical do trotskismo e mais tarde, convertido ao socialismo democrático.

2. Ocorre, preliminarmente, a descrição de alguns componentes da mencionada fábula. A estória desenvolve-se na “Granja do Solar”, propriedade do Sr. Jones. Naquele cenário despontam os seguintes personagens: os porcos, os mais inteligentes dos animais (o velho Major, mentor intelectual da Revolução; Napoleão, o grande líder e “pai” de todos; Bola-de-neve, de palavra fácil e íntegro; Garganta, interesseiro, astuto e persuasivo); os cachorros “capangas” (Ferrabrás, Lulu e Cata-vento); os cavalos (Sansão, forte e de pouca inteligência mas de sólido caráter; Quitéria, uma égua volumosa, matronal; Mimosa, égua vaidosa, fútil e egoísta); o burro (Benjamim, o mais velho e moderado dos animais); a cabra Maricota; as ovelhas, as vacas, os patos, as galinhas, o gato; Moisés (o corvo espião do Sr. Jones).

3. As péssimas condições em que viviam os bichos daquela granja favoreceram a tomada de consciência. Perceberam que precisavam reverter o quadro e pôr fim aos maus-tratos, à exploração e ao descaso infligido pelo Sr. Jones. Pois os animais trabalhavam até a exaustão; recebiam pouca comida e ainda tinham que suportar a venda de suas crias, de seus ovos, o comércio de suas carnes, além da violência das esporas, dos chicotes, das ferraduras, da marcação. Assim para eles, a solução para todos aqueles problemas era a eliminação do Homem. O Homem era o verdadeiro e único inimigo.

4. É neste clima de revolta que surge a voz profética do velho Major. Ele recorda uma antiga canção que proclamava a conquista da liberdade e da dignidade de todos os bichos da Inglaterra. Após a sua morte os animais, liderados pelos porcos, fazem a revolução. Expulsam de suas terras o Sr. Jones. A “Granja do Solar” passa a chamar-se “Granja dos Bichos”. Os porcos então aprendem a ler e escrever. Estabelecem os princípios do novo sistema, a saber, do Animalismo e editam os seus mandamentos. Os animais acolhem, com alegria e obediência, tal ensinamento, já que, agora, finalmente, estariam libertos de toda sorte de escravidão.

5. Entretanto, passados os primeiros meses, sobrevém uma profunda decepção. Os porcos entram em divergência entre eles por causa do poder. O mais leal e íntegro é jogado fora e marginalizado. É tachado de traidor e considerado presença perniciosa. Ocorre então o desrespeito por todos os valores anteriormente firmados. Surgem a mentira, a farsa, a corrupção, os privilégios, a manipulação e o jogo das palavras. Enfim, toda espécie de prevaricação O domínio usa como bandeira a liberdade. Isso leva o autor a concluir: “Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez, mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco” (o.c., pág. 98).

6. Por certo que o conteúdo dessa estória representa a própria história dos homens em relação ao poder. Todo sistema de poder que desconsidera a pessoa humana, seja ele de esquerda, seja de centro ou de direita, decai sempre em algum tipo de despotismo. Nada melhor então do que acolher as sábias palavras do imortal Miguel Reale, o gênio da Filosofia do Direito: “O essencial, em suma, é reconhecer o status originário e primordial da pessoa humana como valor fonte, evitando-se não somente o mal irreparável das ideologias totalitárias, mas também toda e qualquer forma de autoritarismo” (in “O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias”, pág. 111).

Portanto, o conteúdo ético de “A Revolução dos Bichos”, aplica-se à atualidade. Ao olhar em volta, contata-se que tanto na política como na religião ou na economia, aí, prevalece o princípio pragmático do utilitarismo maquiavélico que é a lei do mais forte. Vem, então, a calhar, aquele comentário de Rui Barbosa realizado na Conferência de 14 de julho de 1916, na Faculdade de Direito de Buenos Aires: “La raison du plus fort est toujours la meilleure. A fábula de La Fontaine encerra em si toda a evolução contemporânea do direito das gentes cultas. Que vale ao cordeiro estar bebendo abaixo do lobo, no veio da corrente, se, a despeito da evidência, o apetite do carniceiro voraz o argúi de lhe turvar as àguas?”(in “Rui Barbosa – Discursos, Orações e Conferências”, pág. 90).


 



14 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Amiga,algumas palavras sairam com letras repetidas(ontemm, faz no lugar de "faço")
    Desculpa tá?
    Emília

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  3. O comentário foi excluído.Tentei e achei que não ia funcionar...Vou repeti-lo.

    Bom dia Suzy.
    Já trabalhei com meus alunos,a fábula "A Revolução dos Bichos"escrita para crianças.Precisávamos trabalhar a convivência entre o grupo,as diferenças, o respeito pelo outro,e escolhemos esse.Confesso, que o resultado foi maravilhoso.
    Ontem li o seu recadinho,o que sempre faço,mas estava um pouco engessada e não consegui escrever nada.Depois que voltei da hidroginástica, estava me sentindo melhor e mais feliz.O grupo é muito animado,as pessoas são alegres,e apesar da faixa etária,parecemos um bando de crianças brincando numa piscina.São muito carinhosos,acolhedores e apesar da água morna da piscina,saio sempre com o coração quente.
    Bom dia querida...meu carinho.
    Emilinha

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  4. Ba, esse é um livro que já está há tempos na minha lista de leituras! Vou ver se arranjo um tempo para ler :)

    Abraço!

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  5. Bom dia, Emilinha:
    Que bacana que você já trabalhou este precioso texto com as crianças. Parabéns!! Realmente, o conteúdo é "eterno" e a aplicação é atualíssima!! Que maravilha que faz hidro, isso faz muito bem ao corpo e alma também. Com certeza, deve ser uma alegria só...hehe!! Obrigada por suas visitas e seus comentários Emilia, tenha um dia maravilhoso com muita luz!!
    Beijos no seu coração, :)
    Suzi.

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  6. Oi, Jonas, bom dia tchê!!! É isso aí, arranje um tempinho e leia. Vale à pena. Tenha um ótimo dia :)

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  7. Livro pequeno mas bastante importante. Que bom ler também sobre o saudoso Miguel Reale. Um bom dia querida!
    Beijos,
    Manoel Canto.

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  8. Oi Suzy! É fascinante com uma história tão antiga consegue ser atual ainda hoje. É interessante perceber que não mudamos, apesar de toda tecnologia e modernidade. A essência do homem continu a mesma... infelizmente!
    Adorei a postagem. Tenho esse livro mas não li ainda... Me deu uma curiosidade tremenda!

    bjs
    Cintia
    ~blog da sibucs~

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  9. Oi, Cintia, é verdade a essência é sempre a mesma. Leia o livro que irás gostar. Obrigada por sua visita e pelo seu comentário.
    Beijos, :)

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  10. Que chique seu blog, menina.Tem até música!!!(me ensina...)
    Porto alegre ...cidade de meu avô...
    Já adicionei seu e-mail para o sorteio, e já estou te seguindo. Obrigada pelos elogios.
    Agora é só torcer...
    Bjo e bom fim de semana!
    Tânia

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  11. Oi, Tânia, obrigada por sua visita. Seu blog também é lindo. Parabéns!! Que legal que, aqui, é a cidade de seu avô. Gostou da música?!! Eu também gosto. Também estou aprendendo, mas envio por mail o que sei, ok?! Um bom final de semana prá você também, beijos, :)
    Suziley.

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  12. Oi estou fazendo um trabalho de TCC eu gostaria de saber uma informação a respeito deste livro se voçê souber me responder, porque o nome de Ferrabraz muda para Branca na edição de 2002 do livro.

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  13. Meu Divã, perdoe-me, mas não sei a resposta que precisa. Um grande abraço, boa noite :)

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