A escolha é sua. E a decisão também. Que aventura maravilhosa e complexa é o ser humano. Ontem, ao saber que um velho e querido amigo, sábio professor, havia se submetido a uma cirurgia, decidi lhe telefonar. Trata-se de um filósofo, escritor e tradutor. Luiz Feracine. 83 anos. Sacerdote jubilado. Aposentado mas na ativa. Em plena atividade nas suas traduções, nos seus textos e estudos constantes. Mente e corpo sãos. Uma verdadeira alegria saber que ele está bem.
Ao ouvir, hoje, as leituras dominicais, lembrei-me, novamente daquele filósofo. Ou melhor, veio-me à lembrança um pequeno livro que ele traduziu. Um verdadeiro tesouro intitulado “A dignidade do homem”. Da autoria de Giovanni Pico. Conde de Mirândola e príncipe de Concórdia da Itália renascentista. Pico ficou célebre pela universalidade do precoce saber, sendo por isso denominado “a fênix dos gênios”.
O renascentista italiano buscava a verdadeira sabedoria. Maravilhava-se com a capacidade infinita do ser humano tornar-se o que bem lhe aprouvesse. Senhor e artífice do próprio destino, da própria história. A liberdade de autodeterminar-se. Mesmo sendo um livre pensador, Pico, não descurou sua visão acerca da transcendência. Via na natureza humana, sobretudo no dom da liberdade concedida, a manifestação da graça divina. Qual obra do Criador inacabada. Em aberto.
Eis, aí, as suas sábias palavras: “(...) Deus coloca o homem no centro do universo sem lhe conferir ou reservar um lugar definido, sem lhe dar um aspecto peculiar, nem lhe atribuir algum ofício privativo. Infunde, porém, nele, as potencialidades mais diversas possíveis para que, pelo exercício da própria determinação, opte pelo feitio de personalidade que lhe apraz possuir e assuma o desempenho da missão existencial que melhor se adapte às suas virtuosidades. É assim que o homem se torna artífice de seu ser e se faz protagonista da própria história. Terá o porte físico, moral, intelectual, profissional de acordo com a escolha determinada pelo poder de sua vontade livre e soberana. Aí está a razão última de sua grandeza como também aí está o risco desta particularíssima dimensão antropológica porque, tal como ele se fizer no tempo, se prolongará pela eternidade a fora (...)”. (o. c., págs. 33 e 34).
A escolha é de cada um. Somos livres. Por isso, responsáveis. Todavia, a sabedoria que buscamos não está na letra fria da lei. Não se encontra nas páginas dos livros ou nos bancos das escolas. Não está no conhecimento meramente técnico do mundo e das coisas. Não advém do saber que oprime e que destrói. Não se encontra nos poderes constituídos. Na ordem vigente. Afinal, não basta apenas saber que não se deve matar. É preciso, de fato, proteger a vida em todas as suas dimensões. É a sabedoria que vem do alto. Que nos é oferecida como dom do próprio Espírito Santo que nos habita. Sabedoria que encarna e que impregna o nosso agir. Sabedoria escondida. Misteriosa. Que se revela não aos grandes, mas aos pequenos. Aos mansos e humildes de coração. Assim disse o mais sábio dos sábios, Jesus.
O título original do texto de Pico della Mirandola denomina-se “Oração Elegantíssima”. E vem bem a calhar. Construir a própria natureza é um ato de ação de graças, uma verdadeira oração. Então, que o Espírito Santo encha o nosso ser para sermos também nós luzes, velas que iluminam o nosso existir.
Obrigada, Feracine, pela partilha do seu saber. Saber à serviço da vida! Ficam, ecoam em nossas mentes, em nossos corações, as suas palavras: “O maior mérito, portanto, desta conceituação de liberdade reside nos aspectos de abertura e risco. Independente de qualquer fator externo, a liberdade dispõe do poder de eleger para o homem seu modo de ser. Ninguém. Nem coisa alguma, faz por si só o homem bom ou mau. A decisão passa pelo filtro deste poder intrínseco de escolha situado no foro íntimo da consciência individual, que contém e, ao mesmo tempo, é uma instância Absoluta de autonomia soberana”.
A decisão é sua!!
Um ótimo domingo! : )